Moradores e ambientalistas contra concessão de parque em Guarapari
Os participantes da audiência pública sobre o plano de concessão do Parque Estadual Paulo César Vinha, localizado em Setiba, Guarapari, manifestaram indignação com o que chamaram de “privatização e entrega do parque para a exploração econômica”. Esse foi o sentimento geral demonstrado pelas pessoas que compareceram ao debate promovido pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, na noite da última quarta-feira (28), em Guarapari.
O auditório da Escola Municipal Professor José Antônio de Miranda, no bairro Santa Mônica, a cerca de 5 quilômetros do parque estadual, ficou lotado de moradores da região, ambientalistas, biólogos, jornalistas, professores, lideranças comunitárias e políticas.
A audiência se desenvolveu em clima tenso, com a população pressionando os deputados e, principalmente, os representantes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) e do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) contra a concessão à iniciativa privada do parque de Guarapari e de outros, conforme previsto no Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação do Espírito Santo (Peduc), criado por meio do Decreto 5.409-R/2023.
Dois biólogos do Movimento em Defesa das Unidades de Conservação do ES, que reúne mais de 500 pessoas contrárias à concessão dos parques estaduais para a iniciativa privada, apresentaram seus argumentos. Walter Luiz Oliveira Có foi o primeiro a explanar sobre os impactos que o modelo de exploração pode trazer.
De acordo com o representante do movimento, o projeto que está sendo elaborado pelo governo prevê a instalação de bangalôs, bondinhos, tirolesa, restaurante e estacionamento para mil veículos no parque de Guarapari. “O Paulo César Vinha não pode virar um Parque do China”, alertou Walter Có, referindo-se ao hotel-fazenda localizado em Domingos Martins.
Para o biólogo, o aumento desordenado no fluxo de turistas em unidades de conservação pode aumentar os ruídos, a produção de lixo e de aromas que ameaçam e afastam espécies, inclusive as que são utilizadas na indústria farmacêutica, como a jararaca, cujo veneno é usado em um dos principais medicamentos para tratar a hipertensão arterial no mundo. “Dez mil pessoas berrando por dia em uma tirolesa, não vai sobrar um passarinho”, comentou.
O ambientalista ainda comentou que o governo estadual estaria alegando que “não tem dinheiro para manter os parques”. Có ressaltou que o Iema e a Seama têm “profissionais de altíssimo nível” e os recursos que foram gastos para contratar a consultoria da Ernst & Young (R$ 8 milhões) poderiam ter sido utilizados para construir um centro de visitantes e de educação ambiental no parque, além de uma trilha suspensa.
Legislação
Já para o biólogo Hugo Cavaca, o Peduc fere as legislações federal (Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC) e estadual (Lei 9.462/2010 – Sistema Estadual de Unidades de Conservação – Siseuc), pois os parques estaduais são considerados unidades de proteção integral e o principal objetivo seria a conservação da biodiversidade.
Amparado na legislação, Cavaca afirmou que o desenvolvimento de atividades de educação e de turismo ecológico seria um dos objetivos dos parques, mas não a principal finalidade. Ele apresentou vários questionamentos aos representantes da Seama, entre eles sobre a contratação da empresa de consultoria, suas bases contratuais e valores.
O biólogo conclamou a população a participar de uma marcha contra a privatização dos parques, que será realizada no dia 12 de dezembro, em Vitória. “Nós somos contra o programa. Não queremos negociar programa. Nós queremos que ele seja extinto”, afirmou Cavaca, que foi aplaudido pelos presentes.
O debate foi conduzido pelo presidente da Comissão de Meio Ambiente, deputado Gandini (PSD), e contou com a participação da deputada Iriny Lopes (PT) e do deputado Zé Preto (PP).
“Nós estamos nesse processo. Existe uma pauta do governo e está sendo discutido (…) Na (audiência pública realizada na) Assembleia, as pessoas foram contrárias. Em Itaúnas, parece que teve uma divisão maior e aqui a maioria contrária (…)”, comentou Gandini.
O deputado Zé Preto firmou um compromisso de votar contra a concessão dos parques, caso o debate chegue ao Plenário da Assembleia.
Quem fechou os trabalhos foi a deputada Iriny: “É um processo que começou equivocado, teria que ter primeiro a conversa. Uma coisa é seguir a lei para que ela não perca sua característica de proteção integral e outra coisa é fazer com que essa unidade de conservação crie ambiente para desenvolvimento socioeconômico”, pontuou.
Para a parlamentar, o programa “pegou mal”. “Foi mal conduzido, mal elaborado, ficou claro o interesse econômico nas áreas de conservação, essa empresa (Ernst & Young) não tem expertise para tratar de questões ambientais, só de desenvolvimento econômico”, disse.
Ao final, ela pediu que o Movimento em Defesa das Unidades de Conservação do ES encaminhe à Comissão de Meio Ambiente todos os questionamentos sobre o Peduc. Segundo Iriny, o colegiado formalizará as perguntas à Secretaria de Estado do Meio Ambiente.
A próxima audiência pública sobre o tema será realizada em Alegre, no sul do estado, onde fica localizado o Parque Estadual da Cachoeira da Fumaça, um dos previstos no programa de concessão. Já foram realizados outros dois debates, um em Itaúnas, onde também tem parque estadual, e outro na Assembleia. Também estão previstas as concessões dos parques estaduais da Pedra Azul (Domingos Martins), Forno Grande e Mata das Flores (Castelo).
Pedro Paulo Biccas Jr.
Jornalista (0003813/ES)
Cientista Político (USP)
Especialista em Planejamento Estratégico (FGV)
Especialista em Liderança, Mentalidade e Desenvolvimento Contínuo (PUC-RS)
Especialista em Mídias Digitais (FGV)